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Review: Coisas Naturais – Marina Sena (2025)

coisas naturais capaImagine que a MPB dos anos 70 e o pop experimental contemporâneo resolveram passar um fim de semana juntos numa fazenda, tomando vinho barato, ouvindo Novos Baianos e flertando com sintetizadores. O filho dessa união boêmia e espirituosa? Se chama Coisas Naturais, o terceiro álbum de estúdio de Marina Sena, lançado em abril de 2025. E como todo filho bastardo da música brasileira, ele é talentoso, inquieto e um tanto confuso sobre sua própria identidade.


Entre a taiobeirice cósmica e a vontade de ser universal

Marina Sena vem trilhando uma carreira de constante mutação. Da mineira lisérgica em A Outra Banda da Lua, à musa do pop-tropical do Rosa Neon, passando pela explosão sensorial de De Primeira (2021) e pelo experimentalismo polido de Vício Inerente (2023), a cantora nunca teve medo de trocar de pele. Em Coisas Naturais, essa metamorfose vira conceito: o disco é uma colagem viva de gêneros, texturas e vozes — inclusive a dela própria, que soa diferente em quase todas as faixas.

Gravado num retiro artístico no interior de São Paulo (porque todo álbum alternativo agora precisa de um Airbnb rural), o projeto teve sessões conduzidas com banda ao vivo, sem click track, sem chefia de gravadora na orelha, só Marina, os músicos e uma vontade danada de sentir a música. O resultado? Um disco com alma, mas às vezes, com alguma falta de direção.


Gal, Rita, Blacy e Beyoncé em uma jam session imaginária

O melhor exemplo desse tempero cósmico? “Anjo”. A faixa é samba, mas vira psicodelia, que depois flerta com pop rock, tudo isso em 3 minutos e pouco. É um aceno claríssimo para Gal Costa, mas também parece uma demo alternativa do Coletivo Graveola. Marina aqui brilha — mesmo que a sombra das influências seja tão forte que, por momentos, a gente se pergunta: essa música é dela ou é uma homenagem elaborada demais?

Em contraste, faixas como “Lua Cheia” e “Sensei” tentam ir para o mainstream — o tal do “som universal” — e tropeçam em timidezes estilísticas. “Lua Cheia” insinua um arrocha, mas não entrega o solo de sax que a gente merece. O ouvinte sente o cheiro de festa, mas a porta nunca se abre totalmente.


“Ouro de Tolo”?

A grande canção do disco talvez seja “Ouro de Tolo” — não, não é cover do Raul Seixas, embora o espírito da desilusão esteja ali. Marina narra o fim de um relacionamento com uma crueza emocional que beira o existencialismo com glitter. “Por que não acabou antes?” — pergunta ela, e todos os ex-namorados do Brasil se contorcem simultaneamente no sofá. É pop confessionário, mas com storytelling, com lirismo. Um raro momento onde a introspecção vira arte pop sem perder a mão.


Visual, voz e visceralidade: o tripé Sena

Se musicalmente Marina brinca com colagens sonoras, visualmente ela dobra a aposta: clipes com estética VHS, colagens surrealistas, direção criativa que beira o fetichismo doméstico (quem nunca jogou frutas na parede?). A câmera vira parceiro de cena, às vezes cúmplice, às vezes antagonista. É teatral, é metalinguístico e é uma delícia de assistir, mesmo quando o roteiro é só… “vibezinha”.

Do ponto de vista vocal, Marina dá um passo à frente. Trabalhou com a preparadora vocal Blacy Gulfier e se nota isso — timbres mais variados, domínio maior das dinâmicas, frases cantadas com intenção. Ainda não virou Elis Regina (e nem quer, pelo amor de Deus), mas também não é mais apenas “a voz única do viral de 2021”. Aqui há estudo. E maturidade.


A balança entre o instinto e a encenação

O problema de Coisas Naturais não é a ambição, nem a estética. É a hesitação. Às vezes, o disco parece dividido entre o desejo de voltar à essência e o medo de perder espaço nas playlists do Spotify. Marina quer ser Gal e Dua Lipa, Caetano e Pabllo. E, por mais que esses mundos possam coexistir — e já coexistem em artistas como Luedji Luna ou Duda Beat — aqui, nem sempre as engrenagens giram com harmonia.

Mas quando funciona, funciona lindamente. “Combo da Sorte”, por exemplo, é o equilíbrio perfeito entre brasilidade, experimentação e apelo popular. Um reggae-pop com groove que te embala enquanto a letra entrega autoafirmação e leveza.


Veredito final:

Nota: 8/10 — Um disco que quer ser tudo ao mesmo tempo agora, mas que ainda assim é inegavelmente Marina.

Se De Primeira foi um grito de nascimento, e Vício Inerente um experimento pop polido, Coisas Naturais é a tentativa de juntar todos os pedaços e fazer disso uma nova identidade. Nem sempre a cola funciona. Mas quando dá certo, é coisa linda, coisa brasileira, coisa natural.