Dia de sexta-feira é dia de se sentir jovem de novo. Mesmo quando a idade não deixa. Mesmo quando a imagem não deixa. Mas a gente se esforça. Nada melhor que visitar a Casa Matriz, reduto da música independente belo-horizontina, para reencontrar rostos conhecidos, rejuvenescer mentalmente (pelo menos), tomar umas cervejas e curtir um som de qualidade.
Eram três bandas no palco. Como normalmente faço, deixo para conhecer a banda no show. Fórmula com resultados comprovados há 20 anos. Curiosamente, essa história começou em um show do Móveis Coloniais de Acaju no Circo Voador. Enfim.
As atrações da noite
RU NA é formada por Alessandro Travassos (voz/guitarra), Alexandre Diniz (bateria/vocais), Cleber Aleixo (baixo/vocais) e Tiago Sales (guitarra/vocais) — nomes que já passaram por projetos importantes da cena mineira, como Valv, Kill Moves, Aldan e Vellocet. No setlist, músicas do EP Heliades, lançado em 2024 pelo clássico selo indie Midsummer Madness, além de inéditas que expandem ainda mais o universo sonoro da banda. As influências vão de Biffy Clyro, Oceansize e Death Cab for Cutie até Wardruna, Jeff Buckley e Elliot Smith.
Acalanta, com Nando Oliveira (guitarras e piano), Gera (bateria e sintetizadores), Wanderson (baixo) e Markeetoo (voz), constrói um som que mistura o peso do rock alternativo com a fluidez da experimentação eletrônica. Guitarras intensas, grooves marcantes e harmonias bem trabalhadas sustentam letras densas e introspectivas, sempre cantadas em português. A dramaticidade do vocal de Markeetoo imprime uma identidade forte à banda, entregando uma experiência sonora poética e complexa.
Othon Palace é uma banda que surgiu no início de 2024 com uma proposta sonora ousada e autêntica. Unindo o espírito do rock’n’roll britânico a atmosferas envolventes do synthwave, o grupo constrói uma identidade musical que reflete tanto as raízes de seus integrantes quanto as tendências mais contemporâneas da música alternativa. Suas faixas misturam riffs marcantes, sintetizadores etéreos e letras introspectivas, resultando em uma experiência sonora densa, sensível e conectada com o presente.
Comentários dos shows
RU NA: Cheguei no show já na parte final, então não consegui absorver tudo para formar uma opinião mais sólida. Mas o pouco que vi me chamou atenção — reconheci o vocalista da saudosa Valv (sdds Valv) e curti bastante o caos sonoro que a banda constrói no palco. Fiquei com vontade de ver um show completo em outra oportunidade.
Acalanta: Assisti boa parte do show mais ao fundo da casa, o que me fez perder um pouco da mensagem que o grupo tenta passar. Ainda assim, deu pra sacar que o som é bem construído, com pegada. E teve até releitura de Secos e Molhados, o que sempre merece respeito. Também tocaram uma outra música que reconheci. Achei até que fosse Eagles of Death Metal, mas não consegui lembrar o nome da música/artista.
Othon Palace: Lembra quando falei da idade ali no começo? Um dos efeitos dela é enxergar mal e começar a ter amnésia. Sou expert em cumprimentar gente que não conheço e ficar olhando para uma pessoa até lembrar de onde a conheço. Foi o caso com o Gustavo Silva, baixista da Othon Palace. A gente chegou a tocar junto em um festival em Itabirito (na época, ele cuidava dos graves na Elízia; e usava outro baixo, em minha defesa para não ter reconhecido).
A banda ainda tem Clayton Vilaça (guitarra) e Drey Henrique (vocal e guitarra), e participação do baterista Raphael Serra. Apesar dos problemas técnicos que atrasaram/atrapalharam a apresentação, a Othon Palace apresentou uma proposta super atraente. Entendo que ver o show dos caras sem os defeitos técnicos deve ser uma experiência ainda mais completa. São composições cheias de camadas e detalhes, fugindo do básico que estamos acostumados em 90% dos trabalhos autorais.
É muito bom quando você descobre uma banda que foge do óbvio. Os arranjos da segunda guitarra me fizeram pensar nas possíveis referências. The Edge? Jonny Greenwood? Ao invés de preencher os espaços com várias notas, existe todo um cuidado estético em criar uma atmosfera (o que me deixou curioso para um show em que a parafernália técnica decida comparecer junto dos músicos de carne, osso e coração batendo).
Não sou entusiasta de bandas brasileiras cantando em inglês, exceto se existir um projeto internacional, óbvio. Existem vários motivos para não se animar. Primeiro porque a maioria das pessoas não possuem um inglês tão bom assim (felizmente não é o caso aqui). Depois porque o desafio de cantar boas músicas em português é maior que em inglês. Por último, é uma coisa mais pessoal de defender o idioma. Em “All i Want”, o vocalista brinca revezando versos em inglês e português, e me parece uma proposta curiosa e sugestiva.
No repertório ainda teve espaço para “I’ll Stick Around”, segundo single do disco de estreia do Foo Fighters, que completa 30 anos em 2025. A idade chega para todo mundo, não é mesmo?
Saldo da noite foi positivo. Três shows novos que eu adicionaria no meu Setlisfm se conseguisse adicionar eventos. Mas como não sei, paciência. Aguardando as próximas aventuras acompanhando a cena autoral de BH na 20a temporada.