Inteligência artificial é muito bom. Te poupa tempo e aumenta a sua produtividade. Você pode escolher o que vai gastar seu tempo escrevendo por prazer e delegar o que precisa escrever para não perder o timing de assuntos relevantes do momento. Como aceitei que conteúdos de final explicado atraem mais cliques que análises, sou um usuário assíduo do ChatGPT.
Porém, mesmo com as facilidades, tem coisas que a gente prefere fazer. Como, por exemplo, ressuscitar uma antiga coluna do site Audiograma (que me recuso a acreditar que acabou. Prefiro ver apenas como “férias sem prazo de retorno”). Aliás, a (Re)Descobrindo Sons é exatamente sobre o prazer de ouvir músicas e compartilhar esse sentimento. Por isso, espero, quem sabe, aparecer aqui pelo menos 12 vezes para falar de experiências musicais e te convido para se aventurar comigo.
Janeiro começou com uma oportunidade de fazer a minha coisa favorita do mundo: tocar baixo. Em um reencontro com meu amigo cinéfilo, músico e escritor Lucas Paio para comemorar o seu aniversário, acabei cuidando da baixaria em algumas jams no palco aberto. Foi assim que peguei para tocar “Se Você Pensa”, do Roberto Carlos; “Monkey Wrench”, do Foo Fighters; “Livin on a Prayer”, do Bon Jovi; “Freak”, do Silverchair; e “Killing in the Name of”, do Rage Against the Machine.
Minha esposa Natalia fez uma participação especial na última música. Acho que foi mais uma possessão especial, como podem conferir no vídeo abaixo. O que torna o momento ainda mais divertido e memorável. Não é sempre que você pode falar que teve um momento musical com alguém que você ama sem que isso signifique algo sexual.
Antes de iniciarmos os trabalhos, conversei bastante com o Rafa Giacomo (vocalista da Foo Fighters Cover, banda mais conhecida de FF de Minas e talvez do país). Discutimos principalmente o consumo de música. Enquanto eu sou declaradamente pessimista a respeito do comportamento dos jovens e do futuro/presente do rock, ele pensa bem diferente. Mesmo admitindo que o apego musical é bem diferente (tipo, o mesmo moleque pode ir de Metallica para Anitta em uma mesma playlist sem que isso signifique ele goste mais ou menos de um ou outro), ele acredita que ainda existe muito interesse no gênero.
Rafael também compartilhou uma curiosidade: como professor e gestor na School of Rock (uma rede de escola musical internacional), citou o dia que orientou o aluno a ouvir um álbum do começo ao fim. O jovem achou esquisito e falou que seria uma chatice fazer isso. Imagine só. Uma geração inteira de pessoas que não costumam escutar um disco inteiro. Culpa da porra do Spotify.
Após a festa, até considerei ver o show que o Rafa faria mais tarde. Mas estava com fome e fui em um restaurante mexicano que fica no Prado. Natalia brincou que eu perdi a chance de pleitear um trabalho tocando baixo com a banda do Rafael em um oportunidade. Talvez eu devesse mesmo ter falado: “Oh, se precisar de baixista, me dá ideia!”. Mas não fiz isso. Até agora, pelo menos.
Quando inventei a (Re)Descobrindo Sons em 2009, eu trabalhava na Saraiva e gastava todo meu salário comprando discos. Ou filmes. Ou livros. Naquela época, sem ter meu tempo devorado pelo trabalho de estrategista digital, era fácil ouvir (e escrever) vários discos. Hoje isso é quase impossível. Não existem horas o suficiente no dia para conciliar o trabalho que paga minhas contas com o trabalho que eu amo, mas tá mais para ONG.
No entanto, tenho um livro (ou arma branca) chamado 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer e há muito tempo planejo repetir os passos do meu amigo Lucas. Quero tentar descobrir ou redescobrir álbuns incríveis que a vida tentou me fazer esquecer. O plano era todo domingo sentar no sofá, abrir uma página aleatória e escutar o disco em questão. Só consegui fazer isso três vezes. Uma delas saiu o disco do Happy Mondays, em outra o Bruce Springsteen e na terceira foi Butterfly, da Mariah Carey – que eu não quis ouvir naquele dia (ou em qualquer outro até o presente momento).
Pills n Thrills and Bellyaches, do Happy Mondays, foi uma boa forma de começar o ano. Segundo meu Last.fm, eu nunca havia dado play neles antes. Pode ser real. Uma vergonha real. Minha única referência era a participação de um dos membros, o Shaun Ryder, na gravação de “Dare”, do Gorillaz. Pills n Thrills and Bellyaches é um disco cheio de groove gostoso, mas não conquistou espaço no meu coração (como é o caso do Smiths desde a pandemia ou Bruce Springsteen desde que comecei a ter fios brancos ou Pulp desde que ouvi com atenção).
Meu amigo ChatGPT fez uma breve análise para publicar no Instagram:
“Pills ‘n’ Thrills and Bellyaches é aquele álbum que parece ter sido gravado numa rave às 5 da manhã, depois que alguém decidiu misturar house music, rock psicodélico e, sei lá, energia cósmica. Resultado? Um clássico da cultura Madchester que soa como o equivalente sonoro de perder o último ônibus, mas encontrar um after que dura três dias.
Com hits tipo ‘Step On’, que te faz querer dançar de um jeito meio questionável, e ‘Kinky Afro’, que basicamente resume todos os dramas familiares num refrão que dá vontade de gritar no karaokê, esse álbum é pura bagunça organizada.
Se os anos 90 tivessem um cheiro, seria o de cigarro barato, cerveja morna e… bem, outras coisas que nem cabem aqui. Mas, ei, Pills ‘n’ Thrills não é só um álbum, é um estilo de vida – ou pelo menos uma ressaca que você não esquece.
Vai escutar, vai dançar, vai perder a dignidade. Happy Mondays tá aí pra isso mesmo.
Sou um eterno arrependido de ter perdido Bruce Springsteen no Rock in Rio 2013. Tudo bem. Eu nem gostava tanto na época, mas isso ficou para trás. Agora eu gosto e anseio pelo dia que conseguirei me redimir. Enquanto não acontece, aguardo pelo lançamento da cinebiografia que fala exatamente sobre a produção do álbum Nebraska, de 1982.
Se você acha que já teve uma bad, é porque ainda não ouviu Nebraska, do Bruce Springsteen. O cara acordou um dia e pensou: “E se eu gravasse um álbum inteiro parecendo que tô trancado num motel barato, refletindo sobre crime, desgraça e o fim do sonho americano?” E foi exatamente isso que ele fez.
Nada de banda, nada de produção grandiosa, só ele, um violão e a certeza de que a vida pode ser um longo e silencioso caminho reto por uma estrada deserta. Hit pra balada? Zero. Música animada? Menos ainda. Sensação de estar em um filme indie que termina sem final feliz? 100%.
Mas ó, Nebraska não é só deprê – é aquele tipo de disco que faz você encarar a vida de frente e pensar: “Pelo menos não sou um fugitivo da polícia no meio do interior dos EUA” (ou será que sou?).
Então bota esse álbum pra tocar, abre uma cerveja barata, encara o horizonte e deixa o Bruce te lembrar que a vida é dura, mas pelo menos tem uma trilha sonora incrível. 🎶🌾
Depois de ouvir Nebraska pela primeira vez e ficar um tanto impressionado, fui ouvir o trabalho seguinte. Inclusive, Born in the USA tem muitas canções que ficaram fora de Nebraska. Como nunca tinha lido sobre a produção desses discos, foi uma experiência diferente revisitar esse clássico do Boss.
Se Nebraska era o Springsteen sozinho num motel barato encarando a própria existência, Born in the U.S.A. é ele metendo um jeans apertado, pegando a guitarra e soltando um grito de guerra… que ironicamente virou trilha sonora de churrasco de tiozão patriota que nunca leu a letra.
A real? Esse álbum é uma bomba de energia, com hits gigantes, refrões pra berrar e letras que fazem qualquer um refletir (se tiver um mínimo de atenção, né?). O cara fala de guerra, crise, frustração e do tal “sonho americano” que muitas vezes é só um pesadelo bem produzido. Mas adivinha? A galera ouviu o BORN IN THE U.S.A. no refrão e achou que era hino de estádio. Boa, campeões.
Mas enfim, é um álbum icônico. Tem Dancing in the Dark, que é basicamente um hino pra quem tá de saco cheio da vida, Glory Days, que te lembra que seus tempos de glória ficaram no ensino médio, e I’m on Fire, que soa sensual mas na real é meio perturbadora.
Bota pra tocar, aumenta o volume e finge que entendeu a crítica social enquanto dá aquela dançadinha estranha igual o Bruce no clipe.
Final do mês ficou por conta de uma apresentação da Liniker no BeFly Hall, em BH. Nunca tinha visto um show dela e gostei, principalmente da baixista Ana Karina. Ainda que minha opinião seja 200% enviesada, não consigo ir num show e prestar mais atenção em outros instrumentistas. Eles nunca terão a mesma graça. Falei do show aqui, caso tenha interesse.
Agora é deixar fevereiro chegar e descobrir mais sons. Nem que sejam antigos sons que ainda não ouvi.
Discos
Pills n Thrills and Bellyaches – Happy Mondays
Lucifer on the Sofa – Spoon
Nebraska – Bruce Springsteen
Born in U.S.A. – Bruce Springsteen
Titanomaquia – Titãs
Unknown Pleasures – Joy Division