No começo do mês escrevi sobre o quanto sou frustrado com o Foo Fighters e seus shows enganadores. Ontem, 19 de agosto, Matthew Bellamy, Christopher Wolstenholme e Dominic Howard fizeram uma apresentação épica para um grupo de felizardos ingleses que puderem escolher quais as músicas gostariam de ouvir. O resultado foi o que o Muse apresentou o seu melhor show dos últimos cinco anos.
Conheci a banda entre 2005 e 2006, quando a Pitty era a maior embaixadora do Muse no país e costumava apresentar releituras nos seus shows. Uma amiga chamada Analúcia me mandou um arquivo mp3 de “Time is Running Out”, mas não dei muita importância até o dia em que me peguei tocando uma riff no baixo durante um ensaio. “Caraca, isso é muito bom! Eu não fiz isso… quem é que toca essa música?”, e foi assim que fui picado pelo mosquito do Muse.
Comecei a ouvir todas as músicas disponíveis e entrei no fórum brasileiro no Orkut. Fiz amizades que duram até hoje. Criamos um portal em homenagem à banda. Juntos acompanhamos todo o drama de vários boatos de shows até a confirmação da primeira turnê em 2008. Juntos viajamos do Rio de Janeiro até São Paulo e Brasília, quando fomos levados pela Warner para conhecer a banda.
Repeti a dose em 2011, na abertura do U2. Depois em 2013, no Rock in Rio. Também em 2014, quando cancelaram o show solo que fariam em SP e fizeram uma apresentação esquecível no palco do Lollapalooza. Finalmente, em 2015 no Allianz Arena.
“Uma das principais reclamações do fã raiz de Muse é que o repertório atual é feito exclusivamente para agradar a turma fã Nutella.”
Ou seja, com 8 shows no lombo e todas as experiências que tive por conta da banda (além das amizades e viagens, também tenho um relacionamento amoroso intenso que só aconteceu por causa do Muse), tenho autoridade de sobra para defender que uma das principais reclamações do fã raiz de Muse é que o repertório atual é feito exclusivamente para agradar a turma fã Nutella.
Vi as mudanças cada vez mais gritantes na sonoridade. O Muse de “Dig Down” dificilmente voltará a ser o de “Dead Star”, “Micro Cuts” ou “Space Dementia”. Mais que um problema de amadurecimento artístico e mudanças na personalidade de seus integrantes (ou você acha que o Matt que usava cabelos coloridos em 2002 é o mesmo que teve a coragem de cantar “Guiding Light” ao vivo?), é a questão mercadológica. O maior público do Muse é formado por adolescentes geração Crepúsculo. Crianças grandes que não sabem o que é ouvir um álbum inteiro ou não entendem porque é tão engraçado ver o Slipknot. Essa turminha quer saber de ouvir “Starlight”, “Mercy”, dentre outras baladinhas tranquilas.
É um alívio reconhecer que parte desse público responsável pelo sucesso do Muse (e por três shows seguidos dos caras no país) está ficando mais velha e amadurecendo. A parcela pensante vai buscar músicas antigas e sentir necessidade de ouvir essas coisas. Queria dizer que isso me deixa otimista com o futuro, mas não quero quebrar a cara mais uma vez. Mas após conferir o repertório da apresentação no O2 Shepherd’s Bush Empire, em Londres, senti como o Tullio de 2008, prestes a ver o Muse pela primeira vez. Qualquer coisa que eles fizessem seria perfeita. Tudo seria inédito. Tudo seria uma surpresa.
“São uns idiotas que na dúvida entre ouvir “Madness” ou “Showbiz” num show, escolheriam a primeira opção.
De fato, o que esses fãs assistiram foi surpreendente. Louvável a qualidade do público que recebeu a oportunidade de escolher suas músicas favoritas e ajudou a criar o melhor show dos últimos cinco anos do Muse. Falo mal dos Nutellas brasileiros, mas lá fora não é diferente. São uns idiotas que na dúvida entre ouvir “Madness” ou “Showbiz” num show, escolheriam a primeira opção sem pestanejar. Perdoe o tom agressivo, mas sou passional com o que gosto. Acho “Madness” sensacional, mas ela é presença certa em shows… Não tem como amar uma banda e seu repertório completo e preferir coisas novas do que aquilo que eles raramente tocam.
Foi o caso da noite de ontem. O Muse tocou o b-side “Easily” ao vivo pela 1ª vez. Também ressuscitaram “Assassin”, “Glorious”, “Showbiz”, “Fury” e “Sing for Absolution”. A maioria estava há 10 anos sem aparecer em qualquer apresentação. O restante do repertório ignorou COMPLETAMENTE os singles de sucesso e trabalhos mais recentes. Foi uma noite especial e única, mas torço para que tenha feito o trio reconhecer o valor da sua obra como um todo. O público fiel que está aí desde 2006 merece um cuidado especial, assim como os jovens Nutellas que ficam entusiasmados por ouvir “Dig Down” ou “Psycho” e ficam com cara de bunda em “Muscle Museum” ou “Citizen Erased”.
Bellamy afirmou que pelo menos “Showbiz” poderá reaparecer com mais frequência no futuro. Vamos torcer que seja verdade e esperar que o Muse abandone a preguiça que transformou suas apresentações ao vivo elogiadas em apenas mais um tipo de showzinho da banda da modinha. Assim como o Foo Fighters, o excesso de tecnologia aliada com o perfeccionismo tirou a naturalidade selvagem que o Muse tinha no palco. Mais que tocarem velhas canções, torço é pela banda voltar a fazer bons shows.
Setlist O2 Shepherd’s Bush Empire – 19 de agosto de 2017
Assassin
Dead Star
Muscle Museum
Easily
Glorious
Butterflies & Hurricanes
Citizen Erased
Munich Jam
Showbiz
Fury
Interlude + Hysteria
New Born (‘Micro Cuts’ + ‘Agitated’ riffs outro)
Yes Please (‘Reapers’ + Rage Against The Machine’s ‘Freedom’ outro)
Encore:
Sing for Absolution
Plug In Baby
Encore 2:
Futurism
Knights of Cydonia